As conquistas colossais do primeiro imperador romano impossibilitam qualquer relato biográfico comum. Caio Otávio, filho de família senatorial, mas humilde, tornou-se Caio Júlio César Otaviano, herdeiro legal – e político – de César; em 27 AC, já firmemente estabelecido como senhor do mundo, Otaviano tornou-se César Augusto. Tinha então 36 anos de idade. Apesar da volumosa informação que temos sobre os acontecimentos que levaram à sua extraordinária ascensão ao poder e seu formidável reinado, é quase impossível definir os talentos e as qualidades de caráter que possibilitaram a esse homem – de fim da adolescência até a velhice – tomar posse de, e governar, domíneos tão diversos.
O homem Augusto – sua maneira orgulhosa de manter os erros gramaticais infantis, suas incursões pelo drama grego, seu interesse de antiquário pelo estudo dos fósseis, seus jogos de dados, suas pilhérias, gostos e apetites – tudo foi preservado para nós por Suetônio e outros, mas o imperador permanece oculto. Alguns têm tentado, por isso, apresentar Agripa, Tibério, Druso, Estatílio Tauro e Munáncio Planco como os responsáveis pela ascensão de Augusto ao poder, sustentado, ainda, por Mecenas e Lívia. Certamente, ele teve muita sorte com aqueles que o ajudaram, assim como o favoreceram as fraquezas de Marco Antônio ou a fragilidade daqueles que tentaram perturbar a ordem de seu governo; teve sorte, principalmente, porque encontrou um mundo romano cansado de guerras, no qual a classe senatorial estava em declíneo, remanescentes da República anterior à César, de existência longa e - na maior parte - saudável. Maiores explicações são necessárias e, embora os historiadores façam deduções fáceis sobre a crueldade, sua inteligência, seu cinismo, suas ambições e sua sagacidade, uma análise mais satisfatória continua impossível. Torna-se mais fácil encontrar suas fraquezas: era um comandante apenas moderadamente hábil; como estrategista, excessivamente otimista; transformou sua família, de um possível esteio, em um foco de desordem. Acima de tudo, impôs dificuldades insuperáveis a seus três sucessores ao criar um sistema fortemente centrado na figura do princeps, dentro de uma estrutura política que pretendia dar ao Senado participação no governo. Essa estrutura – que não era uma diarquia, mas que dependia totalmente das personalidades de Augusto e dos seus contemporâneos – foi responsável pela agitação que associamos ao período Júlio-claudiano. Não que Augusto tentasse impor um sistema monolítico ao Estado romano; na realidade, suas várias experiências administrativas e constitucionais, pelas quais ele adaptou, de modo criativo, todos os aspectos mais positivos da organização política e social da República para que se conformassem às suas necessidades, impressiona muito mais do que outros sucessores, tão alardeados. A adoção do poder tribunício como “indicação da hierarquia superior” é apenas o mais famoso desses expedientes: alguns falharam, mas como a tentativa de reviver os censores, no ano 27 AC; mas outros, mais numerosos, por exemplo, a prefeitura urbana, mostraram-se muito úteis e persistiram até o fim do império. Como todo político romano, Augusto também dependeu de sua influencia pessoal; de fato, apenas isso já o qualificava para o cargo de princeps (isto é, senatus), que não conferia poder. O sucesso de seus exércitos e a posse de riquezas imensas garantiram essa autoridade informal.Foi graças a uma combinação semelhante de influencias e poder que Augusto pôde incrementar de modo tão intenso o processo de união da área sob controle direto de Roma, grande e heterogêneo aglomerado de cidades aliadas, reinos e tribos dependentes, que preenchiam os espaços vazios entre as províncias romanas e as cercavam, formando o imperium romanum, grande parte do qual ele supervisionava pessoalmente. Um de seus principais instrumentos nessa tarefa foi a exaltação da cidade de Roma; no fim de seu reinado, a cidade havia se tornado o digno centro do novo império: repleta de edifícios nobres, administrada de modo eficaz, glorificada, assim como seu governante, pelas vozes dos maiores poetas da época. É fácil esquecer que, antes de Augusto, Roma havia sido a capital do mundo apenas na prática. Augusto tornou muito mais óbvio o fato de Roma ser realmente o centro do mundo, como César já pretendera fazer; o período de maior glória da cidade começava com o Império. É exatamente por esse aspecto – bem como pelas contribuições dos maiores poetas romanos, em especial Virgílio e Horácio – que o reino de Augusto é mais bem lembrado.
O próprio Augusto escreveu o Registro de seus empreendimentos (Index rerum a se gestarum, mais conhecido como Res Gestae), ordenando que fosse publicado após sua morte. O documento sobrevive em cópias feitas em pedras, principalmente no Monumento de Ancira (Monumentum Ancyranum), em uma tradução local para o grego: o estilo é claro, sóbrio e formal, na melhor tradição dos registros oficiais.
A estrutura factual e cronológica da marcha desses acontecimentos é a seguinte: os principais partidários e opositores de Otaviano haviam já se declarado nos primeiros anos após a morte de César, quando o acordo que criara o Segundo Triunvirato (43 AC) rompeu-se. Os anos de guerra que se seguiram viram-no casado com Escribônia, parente de Marco Antônio, que lhe dera sua única descendente, Júlia, e depois com Lívia, que o apoiou durante toda a vida. A derrota de Sexto Pompeu e a neutralização de Lépido garantiram-lhe o Ocidente, e ele pôde começar o trabalho de sua vida pela unificação e restauração da Itália. A campanha de Áccio, no ano 31 AC, deu-lhe supremacia total. Marco Antônio suicidou-se. Os anos seguintes foram gastos na consolidação e no aperfeiçoamento de sua posição; esse processo atingiu seu clímax em 27 AC, quando Augusto mudou seu nome e assumiu o poder provincial. Houve ainda outras modificações importantes na sua posição hierárquica, nos anos 23 e 19 AC; quando ele se ausentou de Roma para comandar as campanhas na Espanha (27 – 25) e no Oriente (22 – 19), surgiram problemas na capital com M. Inácio Rufo; a doença que quase o matou no ano 23, e a morte de seu herdeiro Marcelo, provocaram uma séria ruptura no círculo de auxiliares mais próximos. Tibério e Druso, filhos de Lívia, tornaram-se seus principais auxiliares. No ano 2 AC, uma grande demonstração da maturidade do sistema, centrado nos novos herdeiros, Caio e Lúcio, e a abertura de seu novo Fórum em Roma, verdadeiro monumento da dinastia, mostraram que as coisas haviam mudado; Agripa, Mecenas e Druso estavam mortos; Tibério vivia afastado, em Rodes, num exílio auto-imposto. Esses anos foram marcados ainda por conquistas espetaculares, principalmente nos Bálcãs e no Danúbio. Com a desgraça de Júlia, as mortes de Caio e Lúcio, a volta de Tibério e sua adoção, a revolta na Panônia e o desastre de Varo na Germânia, começou o último período do principado. Embora essa fase tenha representado o fracasso parcial de uma série de projetos, as dificuldades que Tibério teve que enfrentar ao assumir o poder, no ano 14 DC, se deviam a motivos pessoais e foram o produto inevitável do sistema, e não conseqüência da senilidade do velho imperador. Ainda que tenha delegado alguns assuntos a seus asssessores, Augusto permaneceu no controle do Império até o fim.
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